segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Batalha de Lepanto

  Foi convencionado que o fim da Idade Média se deu no ano de 1453, com a tomada de Constantinopla pelos Turcos-Otomanos. É fato que já se deu muito mais importância para a memorização de datas específicas nas escolas, mas ainda existe muita força nessas separações didáticas que encaixotam conhecimentos, sem nos permitir criar vínculos entre diversos acontecimentos da história, necessários para o entendimento mais completo. Não quero aqui transformar a linha do tempo da história, longe de mim, pois a tomada de Constantinopla marca o fim da Roma do Oriente, assim como 476 é marcado como o fim da Roma do Ocidente


  Até me arrisco a dizer, com o apoio de alguns historiadores, que a tomada de Constantinopla não marca tanto o fim de uma era quanto o assunto desta postagem: a Batalha de Lepanto. No primeiro evento, é marcante o início da guerra moderna, que torna a pólvora mais importante que a lâmina, mas demonstra mais uma continuidade da crescente força do Império Otomano, que vinha se apoderando de diversas regiões do Mediterrâneo e Leste da Europa e, mesmo com tamanha capacidade militar, coseguia dominar também o comércio. Para um comércio forte, já àquela época (1571), era de suma importância uma frota poderosa e o controle de rotas marítimas. O controle do Estreito de Bósforo foi importante, mas o próprio domínio dos mares já estava estabelecido. A batalha que trataremos a seguir não só é a primeira grande vitória da cristandade contra o Império Turco-Otomano, como marcou a início da decadência do Islã e a  ascensão dos Cristãos, que na verdade já tivera início no Atlântico com a expansão para Américas e o Périplo Africano, mas sofria baixas no próprio continente europeu. A frota turca nunca mais se restabeleceu a ponto de promover rivalidade aos católicos. Ocorre que, se a vitória do confronto fosse inversa, os estados formadores da Liga Santa (Habsburgos da Espanha, Veneza, Estados Pontifícios e aliados de Nápoles, Sicília e Malta) envolvidos na campanha teriam de tal forma se endividado que, talvez, fosse impossível recuperar o controle do Mediterrâneo em séculos, além de outras implicações que veremos.

A Situação
  Em meados do século XVI, os otomanos já haviam se apoderado da Turquia, da Crescente Fértil do Iraque, de pontos cruciais do Mar Vermelho (Meca, Medina), do Egito, Suez, Palestina, Parte Arábica do Golfo Pérsico, Geórgia e estendiam-se para o Leste. Isso só na frente Oriental.
  No Ocidente, possuíam todo o Norte da África, com exceção do Marrocos, A Grécia, todo o Mar Negro, a Hungria. Já haviam derrotado os Magiares e chegado às portas de Viena (abandonaram o cerco porque as tropas queriam regressar antes do inverno e pressionaram para levantar acampamento). Após sofrerem em duas tentativas fracassadas de tomar Malta (chave do Mediterrâneo Ocidental), voltaram-se para o Chipre, que tomaram em 1570. Já ali, mostrou-se o ponto fraco dos otomanos: duas frentes de batalha. Os custos da derrota em Malta iam além da moral na frente ocidental, mas consumiam recursos de guerra necessários contra os Safávidas. Isso seria, por fim, a falência do império que viria a se tornar um gigante doente nos próximos séculos, mas que perduraria até o século XX.

A Iniciativa
  Após a prova de que eles não eram invencíveis e num momento em que era necessário o contra-ataque, após a perda do Chipre, se a Europa Ocidental não reagisse, o império ficaria livre para atacar ora os cristãos, ora os Safávidas na Pérsia. Sua expansão e riqueza chegaria a torná-los virtualmente indestrutíveis. Logo, o pirata Barba Roxa, de Tunis, agora almirante, poderia se aventurar livremente pelo Atlântico. Mas como a sociedade humana tem o poder de se adaptar às situações mais adversas, ocorreu nos reinos cristãos, ameaçados desde a Itália até a Península Ibérica, um sentimento de união, mesmo que cheio de interesses escusos, que mudou a realidade do Ocidente.
  Veneza, principal adversário, possuía o Novíssimo Arsenal, e planos secretos de uma nova embarcação de guerra baseada nas Grandes Galeras mercantes, mas não tinha mais recursos para construir  naves de guerra na velocidade necessária. Essa falta de recursos quase os forçou a negociar paz com os turcos. Com a tomada do Chipre, mudaram de ideia e assinaram com a Liga Santa.
  Num pedido de ajuda, houve um esforço sem medidas do Papa para conseguir recursos na França (que se negou) e aos Habsburgos, dominantes da Áustria e Espanha (que ainda não existia como Nação coesa). Estes sim, por estarem ameaçados até em seu território, entraram na aliança com pompa de protagonistas.
Veneza lançou mão de suas Galeaças, e de muitas galés. O papado entrou com mais navios. Os Habsburgos, apesar de poucas naves, inclusive algumas de Gênova que financiaram, entraram com dois terços das tropas, ou seja 20 dos 30 mil homens. No total, 214 navios, sendo 208 galés e 6 galeaças (verdadeiras fortalezas flutuantes, de cerca de 41 canhões, mas com um empecílio que trará um resultado que veremos depois).
  Aliados aos Cavaleiros de Malta, Nápoles e Sicília, atacaram a frota turca em 1571 em Lepanto (costa da Grécia) e obtiveram um êxito de tamanho até inesperado.

A galeaça (acima), possuía o diferencial, além do tamanho e capacidade de tropas, de poder usar de 20 canhões pesados e 21 leves, contra apenas 3 das galeras turcas)

Ocorre que, pelos navios turcos serem usados em águas rasas no Adriático e também para desembarque de tropas, seu casco foi elaborado chato, o que lhes conferia grande velocidade e manobra, mas pouca estabilidade para atirar (pois o barco balança muito com as ondas), causa, além de tudo, da imprecisão dos disparos da frota otomana.

O combate em mar fechado favoreceu também os navios maiores, pois os homens em maior quantidade, aliados à posição mais alta, eram privilegiados no combate de abordagem que se instalou quando houve a aproximação das forças inimigas.



A Batalha
  Antes mesmo da aproximação, na verdade, o combate estava decidido. Mesmo com mais navios (230 galeras turcas), a primeira investida central de Ali Paxá diretamente contra a galera do líder da Liga Santa, Juan da Áustria, foi bloqueada pelos 40 canhões pesados de 2 galeaças. A sultana de Paxá chegou a encravar seu esporão na Real do de Áustria, mas a capacidade numérica de homens era muito superior na nave cristã. Os otomanos começavam a batalha sem seu líder, que teve sua cabeça pendurada em lança para retórica. Não obstante ao número de canhões, as galeras do Arsenal de Veneza possuíam as melhores bocas de fogo do Mediterrâneo, até mesmo superiores às dos castelhanos ou genoveses. O combate em linha transformou-se em abordagem e combate homem a homem já sob grande superioridade da Liga Santa, que terminou com uma vitória humilhante sobre as forças do império oriental. Somente os canhões das Galeaças foram responsabilizados por 70 baixas inimigas numa batalha de 4 horas (rápida). 30 mil foram mortos no lado derrotado, 7600 entre os vitoriosos. 12 mil foram libertados entre escravos turcos, isso é terminaram com mais homens cristãos do que começaram. 130 galeras turcas foram tomadas. Nem contaremos o ouro e as armas recolhidas, pois a maioria disso foi saqueada e parou nas algibeiras de soldados.

As Consequências
  Assim como a tomada de Constantinopla marcou o uso de canhões nos cercos e a tática otomana de usar a tecnologia ocidental contra eles mesmos, Lepanto demonstrou que a artilharia seria o grande recurso nas batalhas navais dali para frente. Infortunadamente, os Habsburgos não pensaram assim. Eles viram o tamanho das galeaças e a posição superior dos homens a disparar como a verdadeira vantagem que levou à vitória.
  Com os recursos da exploração americana, Felipe II construiu a famosa Invencível Armada, munida de Galeões gigantes para os padrões da época. Dos navios portugueses que tomou posse ao formar a União Ibérica, mandou aumentar os castelos de proa e popa e tornou-os imanejáveis. Pegou seus monstros marinhos desajeitados de 100 canhões e, 17 anos depois da vitoriosa campanha em Lepanto, o duque de Medina-Sidonia sentiu do constrangimento de Ali Paxá ao ser derrotado pelos "pequenos" navios ingleses que disparavam ao largo, impedindo a abordagem de seus 30000 infantes. Pois é, a vitória que marcou a quebra do poderio do fervor católico espanhol e o início do Império Inglês, dando cara até mesmo para a Idade Contemporânea tem embricamentos complicados com a Batalha de Lepanto. Mas deixemos isso para a postagem correlata.

Atenciosamente.

Um comentário:

  1. Caro Marcos:

    Obrigado pelo artigo, bem esclarecedor, e com uma boa apreciação do contexto da época (e de alguns anos posteriores também, com o desastre espanhol na costa inglesa).

    Boa sorte para vocês do blog.

    Ricardo

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