domingo, 3 de fevereiro de 2013

A República de Estudantes de Esquerda

Durante meu curso na Universidade, pude contemplar a presença de inúmeros colegas universitários da esquerda política, a maioria partidários do Socialismo, muitos ainda que vinham às aulas com camisas vermelhas, como se fossem uniformizados. Fiquei sabendo posteriormente que a universidade em que estive é grande centro brasileiro de estudos marxistas. Aff...
Lido, havia pouco, Charles Fourier e seus Falanstérios, estava com a mente voltada a aceitar toda aquela movimentação como algo bom, o futuro da sociedade, o intelectualismo na Universidade, como nas décadas da ditadura, seria a salvação do país. Admirava os estudantes engajados, muitos com o talento de promover discursos em palanques e campanhas eleitorais invejáveis para o Diretório Central Estudantil.

Certo dia tive oportunidade de visitar o apartamento de um camarada, recentemente conhecido. Morava numa república onde todos se encaixavam nas características citadas anteriormente. Eram muitos livros, muita discussão sobre um assunto vigente da época, a privatização do Hospital Universitário, uma marofa daquelas e muitas latas de cerveja vazias espalhadas.
Naquele local, senti como se estivesse numa vanguarda do intelecto, pois era aquilo que minha vulgar inteligência idealizava como sendo o suprassumo da vida acadêmica.

Foi quando abri a geladeira que minha visão crítica começou a trabalhar. Não pela imundice, pois devo confessar que meu apartamento nunca foi do maior capricho nesse quesito, mas pela organização espacial. Cada membro da República (que não lembro o nome) possuía um lado de uma prateleira para guardar suas coisas. Presenciei, inclusive uma ligeira discussão acerca de um molho desses de pôr no cachorro quente, não me lembro se era mostarda ou maionese, mas que estava invadindo o território alheio. O fato caiu sobre meus pensamentos como pedra. Desde então, passei a observar melhor a residência daqueles comunistas e vi muitas coisas que não pareciam nada com o que havia lido tempos antes.

Fourier defendia que todos trabalhassem e que o resultado desse trabalho fosse colocado num só bolo, de que todos poderiam utilizar, conforme sua necessidade. O que vi ali eram divisões sistemáticas de posses e atitudes que nunca levariam a um socialismo saudável. Os quartos, por exemplo, uns limpos outros um tanto sujos, mas organizados, por que cada um tomava conta da limpeza de seu dormitório. Os que eram divididos entre mais de um estudante estavam mais sujos porque havia dificuldade em dividir as tarefas de limpeza. Os cômodos comuns, por outro lado, eram odiosamente impregnados de uma camada de poeira, pois ninguém queria trabalhar, mesmo que obrigados pelas regras da República, no lugar comum. Faziam então um serviço "relaxado", até que não houvesse mais condições, daí chamavam uma diarista. Resolvido. O assunto, que eu trouxe à tona, foi motivo de risos, a final de contas, pois tudo era passível de virar piada naquela roda de jovens sábios. Na minha cabeça, porém, martelava (ou foiçava, não sei bem) que aquilo não era o que imaginava.

Aquele que pagava uma percentagem relativamente maior do aluguel tinha um quarto só para ele e um espaço maior na geladeira que, por mais que se encontrasse vazio, não poderia ser utilizado pelos outros.
O video game estava ali, em frente ao televisor, mas não podiam ligar, pois o dono não se encontrava em casa.

Passavam horas a discutir assuntos de Estado e a economia nacional, sem perder um minuto para reorganizar a bodega onde moravam. Era o famoso "discutir o sexo dos anjos". O momento que mais me impressionou negativamente, porém, foi quando entrou em pauta a eleição do DCE que aconteceria em breve (motivo da minha visita). Cursos se tornavam simples números na contagem de votos, adversários eram chacoteados, os aliados, pouco se comentava. Para os indecisos, decidiam a melhor forma de manipular seus votos com o único intuito de ganhar o pleito. O que seria feito depois da vitória, talvez discutíssemos outra hora.

Perdemos a eleição, mas estive na sede do Diretório tempos depois onde vim a ter com um antigo conhecido, membro da chapa contrária, e tive certeza de que, pelas atitudes desse rapaz, a nossa derrota naquele momento foi uma vitória para todos.

A capacidade de abstração do ser humano, por vezes, é excessiva. Pode imaginar uma sociedade perfeita de camaradas altruístas sem nem mesmo sê-lo em sua própria casa. Mesmo os cientificistas do socialismo não conseguem fazer seu trabalho da mesma forma que o fazem para si mesmos, quando têm de realizá-lo na terra comum. E quando isso se torna óbvio, basta pagar para alguém fazer o que ele não teve vontade.
Atenciosamente.

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